Como na grande maioria dos blogs ligados a retro computação, os autores gostam de relatar suas primeiras experiências com os equipamentos que marcaram sua vida, seja no lazer, seja na vida profissional. Aqui não será diferente. Ficará registrado a minha história com os computadores fabricados pela Microdigital.
Estávamos no final da primavera de 1986, quando o Brasil vivia a polêmica "reserva de mercado" que, dentre uma de suas características, permitia que empresas nacionais clonassem computadores estrangeiros. A Microdigital saía na linha de frente, clonando com maestria equipamentos da americana Apple e da inglesa Sinclair, líderes revolucionárias do mercado de micro computadores pessoais.
Neste período eu tinha meus 20 anos de idade e, financiado pela empresa onde trabalhava, comprei meu primeiro micro pessoal na antiga Mesbla de Belo Horizonte. Era um TK 95 da Microdigital (que na verdade tratava-se de um TK 90X acrescido de um teclado "semi-profissional"). Foi amor a primeira vista! Mas ligá-lo não era tão simples assim... Ainda precisei comprar uma pequena televisão e um gravador mono de fitas K7.
Este TK 95 utiliza internamente o mesmo circuito do TK 90X, porém com mais espaço interno no gabinete. Mais tarde embutiria uma fonte de alimentação dentro dele.
O aprendizado...
No mesmo período iniciei um curso profissionalizante de programação de computadores que, naquela época, funcionava de maneira bastante curiosa e extremamente anti-didática. O curso oferecia a linguagem Basic e Cobol e utilizava computadores modelo DGT-1000 da Digitus (também de 8 bits).
As aulas eram divididas em 2 módulos: Um teórico em sala de aula (onde a maioria dos alunos desistia no meio do caminho) e, em seguida, a prática no laboratório. No decorrer dos anos este método foi abandonado e viu-se a necessidade do aluno já começar o curso operando diretamente no computador. Naquela época as universidades brasileiras ainda não ofereciam cursos de graduação em informática, mas já existiam muitos núcleos de pesquisa.
Tive uma ótima performance no curso, pois, ao contrário de meus colegas, tinha o privilégio de testar cada novo comando aprendido em meu TK. Ali começava minha vida de programador...
Propaganda da época do lançamento do TK 95.
Criando soluções...
Como programador, o maior problema de enfrentávamos era a falta de um no-break (um dispositivo que mantivesse o computador ligado durante os picos de energia elétrica). O menor pico de energia já era suficiente para destruir literalmente horas de programação... Era necessário acionar o gravador de tempos em tempos para salvar o que foi digitado e, na maioria das vezes, ficávamos tão absorvidos pela programação que esquecíamos de gravar sistematicamente. Para resolver esta questão, depois de muitas pesquisas e com a ajuda de um técnico, projetei um mini no-break que funcionava a base de pilhas acondicionadas em uma saboneteira plástica... Foi um sucesso! O picos de energia já não eram mais um problema.
O primeiro grande projeto...
Como cristão apaixonado, meu primeiro grande projeto foi criar um programa para o TK sobre a "Descoberta da Arca de Noé", baseado em pesquisas e documentários da época. Ele possuía uma grande quantidade de menus e sub-menus que revelavam detalhes das expedições, inclusive desenhando na tela imagens complexas como mapas e a própria Arca. Pena que esta fita se perdeu no tempo...
O TK "humilhando" um PC...
Anos mais tarde veio o grande desafio para o TK...
Eu trabalhava com Analista de Custos em uma rede de lanchonetes que havia comprado um PC 286 e um software de gestão escrito em Cobol por aproximadamente 3.000 dólares cada! O programa era bem complexo (naturalmente com muitos bugs) e logo a diretoria começou a ter problemas em manipulá-lo, gerando uma enorme insatisfação. Propus voluntariamente criar algo mais simples e funcional no Basic do meu TK e, para a surpresa geral, ficaram apaixonados com a funcionalidade do programinha. Logicamente o mesmo podia ser feito no 286, mas não teria o mesmo "gostinho"... Afinal, era um micro de 48 Kb (que nem HD possuía) dando um "show" no PC!
A primeira grande modificação...
Mais anos se passaram e, em 1992, após venda e aquisição de outros TK´s e interfaces, resolvi fazer uma adaptação radical (ou "mods", como diriam hoje) no meu micro, embutindo-o em um gabinete de TK3000. Foi uma operação extremamente complexa, mas bastante funcional, pois em plena era dos PC´s, eu ainda utilizava o TK de forma profissional e extraía dele todas as minhas necessidades na informática.
Nesta foto vemos o TK 95 embutido no gabinete do TK 3000, com interface de disco de 5 ", gravadores, monitor de vídeo composto (fósforo verde) e a impressora matricial Olívia.
O TK como instrumento de ajuda social...
Neste mesmo período a Microdigital estava encerrando sua produção de computadores pessoais e a representação técnica de Belo Horizonte me doou uma grande quantidade de peças e sucatas. O resultado disso foi a montagem de umas 12 ou mais unidades de TK90X em pleno funcionamento. Peguei estes micros e resolvi dar um curso de introdução de informática para jovens em minha igreja, criando um programa que emulava o sistema operacional DOS do PC no modesto TK. Isso foi incrível e muitos jovens conseguiram seus primeiros empregos através desta qualificação. Lembramos desta época com muita alegria.
A segunda grande modificação...
Passados muitos anos depois, o TK já não fazia mais parte de minha vida... Como profissional de informática eu estava totalmente absorvido pelas novas tecnologias. Entretanto, em meados de 2004, estimulado por entusiastas da retro computação, adquiri algumas unidades de TK´s (ainda fáceis e baratas de encontrar) e fiz alguns projetos de hardware com eles, dentre os quais, o TK-PC. Um TK 90X com todas as interfaces embutidas num gabinete convencional de PC, inclusive um gravador K7. Fiquei um bom tempo com este equipamento e, devido à circunstâncias profissionais e total falta de espaço físico, repassei o computador para outros colegas.
Este foi o resultado final do TK-PC. Era bastante prático e funcional.
E agora?
Atualmente, estimulado pelo recente presente que ganhei de meu filho, um TK90X conservadíssimo, resolvi retomar o mundo da retro programação e compartilhar aqui estas experiências. Não tem jeito... Este pequeno e notável computador ainda desperta um grande saudosismo e encanta com a enorme variedade de programas disponíveis.
Esta é a imagem do dia que ganhei o TK 90X do meu filho... Pura alegria!
Hoje programo em emuladores do para PC (existem vários, para todo tipo de plataforma) e testo no TK 90X. Apesar de engraçadinho, é cansativo digitar muitas linhas de código no teclado original de silicone do TK (quando acostumamos, nem tanto). O fator principal se dá pelo fato do notebook possuir uma bateria que sustenta o micro em caso de "picos" de energia elétrica que, no caso do TK 90X, ocorreria o risco de se perder linhas e mais linhas de código.
Atualizando em 17/10/15:
Com a recente reaquisição de um TK 95 e utilizando um no-break exclusivo, animei em programar diretamente no computador. Fica mais "vintage"! ;)
Atualizando em 15/02/16:
A coleção foi ampliada com a aquisição de um ZX Spectrum +2A, cujo Basic 128 permite a digitação "tecla a tecla", como em PC´s convencionais. Agora ficou fácil programar.
Atualizando em 02/01/17:
Aqui vocês podem consultar meu atual acervo:
http://retroprogramacao.blogspot.com.br/2016/12/inventario-de-hardware-retro-da-linha.html
No mundo do sofisticado e consumista Microsoft Windows em que vivemos, é literalmente impressionante ver o que o TK 90X é capaz de fazer com apenas 48 kb de memória... Isso merece um registro, despertando curiosos desafios para esta nova geração de programadores que nem imaginam o que é programar com estas limitações.
Uma coisa eu garanto: É muito divertido.
Sejam bem vindos(as) aos mundo da programação de 8 bits com 48 kb de memória!